Para
refletir...
Por que olhar por partes, sem antes compreender o todo? Porque enxergar a
deficiência, antes mesmo de saber mais sobre aqueles que não andam, não
enxergam ou não ouvem? Porque apontar o que o outro não pode fazer, antes de
perguntar o que ele tem a oferecer?
“O modelo dos modelos”
Italo Calvino
Houve na vida do senhor Palomar uma época em que sua regra
era esta: primeiro, construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico,
geométrico possível; segundo, verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos
observáveis na experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para
que modelo e realidade coincidam. [...] Mas se por um instante ele deixava de
fixar a harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais,
saltava a seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres
não eram de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e
retorcidas.
O Palomar do qual o autor se refere pode ser comparado à Política
Nacional de Educação Especial, que na perspectiva da educação inclusiva enseja
novos modelos de ensino, visando atender as especificidades dos alunos que
constituem seu público alvo e garantir o direito à educação a todos. Dentre os
serviços ofertados está o Atendimento Educacional Especializado, que “[...]
identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que
eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas” (SEESP/MEC, 2008). O professor de AEE é um
profissional que atua sobre as particularidades dos alunos, promovendo
recursos, meios, equipamentos, linguagens e conhecimentos que os apoiam no
acesso e participação no ensino comum.
O atendimento educacional por si só não garante a aprendizagem dos
alunos, é necessário que ocorram mudanças no contexto escolar. A colaboração
sistemática de toda equipe escolar no atendimento especializado é uma oportunidade
única que cada um deles tem de rever atitudes, valores, comportamentos que são
comuns em suas relações com as diferenças e que mantém o caráter excludente da
escola. “Faz-se necessário concretizar, no cotidiano dessa instituição, o que
já está assegurado por lei... é preciso que a escola se transforme em espaço
verdadeiro de trocas que favoreçam o ato de ensinar e de aprender” (FIGUEIREDO,2008).
Mantoan (2008), afirma que “quando os professores das salas regulares
encaminham seus alunos (para os quais não se acham preparados para ensinar) aos
professores da Educação Especial, eles entendem que esses alunos diferem dos
demais colegas da turma, assim procedendo,
desconhecem as diferenças dos
demais alunos e nada muda na escola!” Infelizmente ainda encontramos muitas
resistências por parte de educadores que retraem-se diante da possibilidade de
fazer uso dessas alternativas em sala de aula e inovar as formas de ensinar,
rompendo com a organização pedagógica pré-estabelecida.
[...] A regra do
senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande
variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um
procedimento combinatório, para
encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse
feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando
assim as coisas, o modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para
obter modelos transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até
mesmo para dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.
“Não há um molde pronto para ser aplicado indistintamente aos problemas,
às deficiências dos alunos e assim sendo, o AEE desafia a capacidade do
professor especializado encontrar saídas, descobrir o que pode acrescentar ao
seu plano inicial de ação, para mantê-lo atualizado e aberto a novos possíveis.
Todas as suas atribuições envolvem muita dedicação e um nível de
responsabilidade que precisa ser desenvolvido na prática, mas tendo por detrás
uma boa sustentação teórica, coerente com os princípios da inclusão e,
portanto, com o que se entende por “ diferenças na escola “ e não com a “
escola dos diferentes”(Mantoan, 2008).
Machado (2010), ressalta
que a educação inclusiva é rica e dinâmica e seus movimentos são singulares e
complexos. Neste sentido, é preciso mergulhar nesta nova lógica e percorrer
caminhos ainda não percorridos e inusitados. Precisamos recriar práticas
independentes no contexto escolar, enredadas com o fazer pedagógico e a
formação dos professores, que vai além da formação transmissiva e das respostas
prontas, constituindo múltiplas redes de trabalho que vão além do esperado, além
do sugerido. Ser professor de AEE exige ousadia, inovação e determinação. “A
ousadia do fazer é que abre o campo do possível. E é o fazer – com seus erros e
acertos- que nos possibilita a construção de algo consistente” (GARCIA,1994,p.64).
Neste ponto só restava a Palomar apagar da
mente os modelos e os modelos de modelos. Completado também esse passo, eis que
ele se depara face a face com a realidade mal padronizável e não
homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus “nãos”, os seus “mas”. Para fazer
isto, melhor é que a mente permaneça desembaraçada, mobiliada apenas com a
memória de fragmentos de experiências e de princípios subentendidos e não
demonstráveis. Não é uma linha de conduta da qual possa extrair satisfações
especiais, mas é a única que lhe parece praticável.
A educação
inclusiva não se constrói em um dia ou um ano, é considerada um processo
inacabado, no qual constantemente fazemos revisão ou avaliação das barreiras
que provocam exclusão e descobrimos o que pode ser feito para eliminar essas
barreiras. Devemos adaptar os diversos modelos e na medida que conseguimos
pequenos avanços, novas alterações poderão ser introduzidas durante o processo.
Educar para a
inclusão implica na ressignificação das práticas de ensino comum e de ensino
especial e só tem sentido quando os alunos com necessidades especiais estão participando
ativamente das atividades comuns a todos (MACHADO, 2010). Para Certeau (1994),
a possibilidade de inventar o cotidiano tem sido a saída adotada pelos que
colocam sua capacidade criadora para inovar, romper velhos acordos,
resistências e lugares eternizados na educação. Trata-se de um processo de
consensos, de acordos e desacordos, o tempo todo nos inventamos e nos
ensaiamos, e pouco a pouco nos desprendemos do modelo tradicional de educação
especial.
Referências:
CIBEC/MEC. Inclusão:
Revista da Educação Especial/Secretaria de Educação Especial.v.5,n.1 (jan/jul) -Brasília:
Secretaria de Educação Especial,2010.
CIBEC/MEC. Inclusão:
Revista da Educação Especial/Secretaria de Educação Especial.v.5,n.1 (jul/dez) -Brasília:
Secretaria de Educação Especial,2010.
Coletânea
UFC-MEC: 2010. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar. Fascículo
01: A Escola comum inclusiva.