domingo, 29 de junho de 2014

RELAÇÃO DO TEXTO ”O MODELO DOS MODELOS” COM O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Para refletir...



Por que olhar por partes, sem antes compreender o todo? Porque enxergar a deficiência, antes mesmo de saber mais sobre aqueles que não andam, não enxergam ou não ouvem? Porque apontar o que o outro não pode fazer, antes de perguntar o que ele tem a oferecer?

“O modelo dos modelos”
Italo Calvino

Houve na vida do senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo, verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam. [...] Mas se por um instante ele deixava de fixar a harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas.
O Palomar do qual o autor se refere pode ser comparado à Política Nacional de Educação Especial, que na perspectiva da educação inclusiva enseja novos modelos de ensino, visando atender as especificidades dos alunos que constituem seu público alvo e garantir o direito à educação a todos. Dentre os serviços ofertados está o Atendimento Educacional Especializado, que “[...] identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas” (SEESP/MEC, 2008). O professor de AEE é um profissional que atua sobre as particularidades dos alunos, promovendo recursos, meios, equipamentos, linguagens e conhecimentos que os apoiam no acesso e participação no ensino comum.
O atendimento educacional por si só não garante a aprendizagem dos alunos, é necessário que ocorram mudanças no contexto escolar. A colaboração sistemática de toda equipe escolar no atendimento especializado é uma oportunidade única que cada um deles tem de rever atitudes, valores, comportamentos que são comuns em suas relações com as diferenças e que mantém o caráter excludente da escola. “Faz-se necessário concretizar, no cotidiano dessa instituição, o que já está assegurado por lei... é preciso que a escola se transforme em espaço verdadeiro de trocas que favoreçam o ato de ensinar e de aprender” (FIGUEIREDO,2008).
Mantoan (2008), afirma que “quando os professores das salas regulares encaminham seus alunos (para os quais não se acham preparados para ensinar) aos professores da Educação Especial, eles entendem que esses alunos diferem dos demais colegas da turma, assim procedendo,   desconhecem as diferenças dos demais alunos e nada muda na escola!” Infelizmente ainda encontramos muitas resistências por parte de educadores que retraem-se diante da possibilidade de fazer uso dessas alternativas em sala de aula e inovar as formas de ensinar, rompendo com a organização pedagógica pré-estabelecida.
[...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando assim as coisas, o modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.
“Não há um molde pronto para ser aplicado indistintamente aos problemas, às deficiências dos alunos e assim sendo, o AEE desafia a capacidade do professor especializado encontrar saídas, descobrir o que pode acrescentar ao seu plano inicial de ação, para mantê-lo atualizado e aberto a novos possíveis. Todas as suas atribuições envolvem muita dedicação e um nível de responsabilidade que precisa ser desenvolvido na prática, mas tendo por detrás uma boa sustentação teórica, coerente com os princípios da inclusão e, portanto, com o que se entende por “ diferenças na escola “ e não com a “ escola dos diferentes”(Mantoan, 2008).
Machado (2010), ressalta que a educação inclusiva é rica e dinâmica e seus movimentos são singulares e complexos. Neste sentido, é preciso mergulhar nesta nova lógica e percorrer caminhos ainda não percorridos e inusitados. Precisamos recriar práticas independentes no contexto escolar, enredadas com o fazer pedagógico e a formação dos professores, que vai além da formação transmissiva e das respostas prontas, constituindo múltiplas redes de trabalho que vão além do esperado, além do sugerido. Ser professor de AEE exige ousadia, inovação e determinação. “A ousadia do fazer é que abre o campo do possível. E é o fazer – com seus erros e acertos- que nos possibilita a construção de algo consistente” (GARCIA,1994,p.64).
Neste ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos. Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus “nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece praticável.
A educação inclusiva não se constrói em um dia ou um ano, é considerada um processo inacabado, no qual constantemente fazemos revisão ou avaliação das barreiras que provocam exclusão e descobrimos o que pode ser feito para eliminar essas barreiras. Devemos adaptar os diversos modelos e na medida que conseguimos pequenos avanços, novas alterações poderão  ser introduzidas durante o processo.
Educar para a inclusão implica na ressignificação das práticas de ensino comum e de ensino especial e só tem sentido quando os alunos com necessidades especiais estão participando ativamente das atividades comuns a todos (MACHADO, 2010). Para Certeau (1994), a possibilidade de inventar o cotidiano tem sido a saída adotada pelos que colocam sua capacidade criadora para inovar, romper velhos acordos, resistências e lugares eternizados na educação. Trata-se de um processo de consensos, de acordos e desacordos, o tempo todo nos inventamos e nos ensaiamos, e pouco a pouco nos desprendemos do modelo tradicional de educação especial.

Referências:
CIBEC/MEC. Inclusão: Revista da Educação Especial/Secretaria de Educação Especial.v.5,n.1 (jan/jul) -Brasília: Secretaria de Educação Especial,2010.
CIBEC/MEC. Inclusão: Revista da Educação Especial/Secretaria de Educação Especial.v.5,n.1 (jul/dez) -Brasília: Secretaria de Educação Especial,2010.
Coletânea UFC-MEC: 2010. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar. Fascículo 01: A Escola comum inclusiva.